This is a squall!: A matéria da Q Magazine sobre a passagem do Foo Fighters por São Paulo

Por PAUL MOODY

São 9 da noite em São Paulo e 67 mil habitantes da maior cidade da América do Sul parecem estar experimentando uma brasilidade coletiva. Enquanto um trovão tropical ecoa à distância, a chuva cai e helicópteros da polícia sobrevoam acima deles, um coro em massa, como um mantra, começou baixo e rosnado com um “Ooooh” e se transformou em um clímax urrado. Só depois de este coro ter passado em torno de todo o Estádio do Morumbi – uma monstruosidade de concreto construída em 1960 – se torna claro após cinco minutos que o que eles realmente estão gritando é “Foo Fighters!”. Três longos anos desde a última passagem dos Foos pelo Brasil, ele soa tanto sensual quanto exigente – o chamado impaciente de acasalamento de um amante desprezado.

No backstage, a banda não está somente pegando fogo, mas também estão enlouquecidos. Saltando de dentro de uma sala de aquecimento, onde eles estiveram tocando versões ensurdecedoras de War Pigs do Black Sabbath, Doo Doo Doo Doo Doo (Heartbreaker) dos Stones e, esplendidamente, Baker Street de Gerry Rafferty, Dave Grohl não está no clima para conversas preliminares. Em vez disso, ele aperta a mão do repórter da Q, fecha os olhos e solta um falsete capaz de quebrar uma taça de vinho, antes de desaparecer por um lance de escadas. É uma introdução e tanto, coisa que os companheiros de turnê Kaiser Chiefs já estão familiarizados. “Dave lhe dá esse ‘oi’ repleto de uma incrível energia e depois desaparece”, diz o baixista Simon Rix. “Ele é um cara ótimo, mas inacreditavelmente ocupado. Todo mundo quer um pedaço dele”.

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 Backstage do Estádio do Morumbi – São Paulo / Foto por Danny North

Amontoados no foyer do hotel Grand Hyatt – um templo de 22 andares feito de aço e vidro – mais cedo naquela noite, o Foo Fighters poderia se passar por CEOs do Vale do Silício que estão na cidade para uma convenção, porém estão aproveitando sua folga de camisetas e calças jeans bem passadas. Até que guardas enormes os levam por uma saída nos fundos, onde carros totalmente pretos e uma escolta policial os esperam para leva-los ao estádio. Na América do Sul, o Foo Fighters é muito grande. Este passeio de seis noites pela Argentina, Chile, Brasil e Colômbia os farão tocar para algo em torno de 250 mil pessoas. É um grande passo tendo em vista a sua última visita – um caso de uma noite no Rio (errata na matéria da revista: na verdade foi em São Paulo) como parte do Lollapalooza 2012 – e uma que, para Dave Grohl, pelo menos, apresenta os seus próprios problemas.

Acompanhado por um guarda-costas em todos os lugares que ele vai, seu movimento em turnê se limita basicamente ao hotel onde ele está hospedado. “Você sabe o que eu odeio pra caralho? Dias de folga”, Grohl diz à Q. “Estamos aqui (na América do Sul) por três semanas e vamos fazer apenas seis shows. Então eu fico enfiado no meu quarto de hotel o dia inteiro vendo programas sobre OVNIs, sendo que eu prefiro estar no palco, dando ao público tudo de mim”.

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 Foo Fighters no Grand Hyatt Hotel, São Paulo / Foto por Danny North

Entrando no palco às 9:15 em ponto, assim que o telão de LED se acende e a chuva milagrosamente para, o Foo Fighters praticamente escorrega em uma agressividade reprimida. Rugindo através de uma abertura de peso com “Something From Nothing”, “The Pretender” e “Learn To Fly”, o show vira um assalto pulverizador de três guitarras, acrescentadas em potência pelo tecladista Rami Jaffee. Tendo saudado a multidão com um “Allllright!” rasgado, Grohl então disse, “Isto é para os velhos,” antes de começar “Breakout”, do terceiro álbum There Is Nothing Left To Lose. Como o homem que fez “Smells Like Teen Spirit” mais pesada, não é nenhuma surpresa que Grohl tenha um bom conhecimento sobre a dinâmica do rock. Mas, enquanto a canção ondula entre um riff pesado e thrash, e uma onda meio blues durante os próximos 10 minutos, ele se mostra um mestre da luz e da sombra. Quando a música finalmente se acalma com a banda banhada em um brilho laranja e quente, você finalmente começar a entender apelo do Foo Fighters por todas as gerações. Enquanto não há riffs pesados o suficiente para o punhado de fãs de rock enrugados, a banda também possui uma sensibilidade pop aguda que agrada e impulsiona uma multidão, em grande parte adolescente, vestida com camisetas do Foo Fighters. Não que Grohl adocique muito essa pílula sônica. Apesar da imagem de cara legal, ele é um tirano implacável e duro, cuja caixa de xingamentos deveria ter sua própria conta bancária na Suíça.

Cada enunciado vem generosamente polvilhado com “fucks” e “muthafuckers”. “Vocês são barulhentos pra caralho e eu gosto disso!”, ele grita quando “Breakout” finalmente termina. “Mas não desperdicem suas vozes, porque essa noite vai ser longa pra porra!”. Apesar do fato de que os Foos têm o novo álbum Sonic Highways para promover, Grohl o ignora quase por completo, com apenas “Something From Nothing”, “Outside” e uma muito bem recebida “Congregation”, completa com um show de luzes quase religioso para satisfazer os novos convertidos. Em vez disso, a ênfase está em um set que agrada as multidões acumuladas em toda a sua carreira de oito álbuns e uma série de surpresas. Quando ele percebe o cartaz de um fã perguntando se ele pode propor casamento à sua namorada durante “Everlong”, Grohl chama o par para o palco imediatamente e supervisiona o pedido de casamento, seguido de muitos aplausos. Então, seguindo para o final de sua enorme passarela, ele dedilha um solo acústico de “Skin And Bones”, acompanhado apenas por Jaffee e seu acordeão. (Errata na matéria da revista: Dave já estava no final da passarela quando ocorreu o pedido de casamento)

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 Dave Grohl no Estádio do Morumbi, São Paulo / Foto por T4F

Provavelmente, não é o que um estádio cheio de metal-heads sul-americanos esperavam daquela noite, mas a paciência é recompensada quando Grohl, com a bandeira do Brasil em volta do seu pescoço, se lança em um solo de “Times Like These”, que resulta no primeiro grande coro da plateia da noite. A contagem de decibéis vai para o máximo quando, do nada, um segundo palco emerge do meio da passarela, na frente dos fãs, com a banda já a postos. É o suficiente para levar uma multidão já frenética ao delírio, e uma deixa para se transformarem na banda de bar mais famosa do mundo.

Começando com um cover estrondoso de “Detroit Rock City” do Kiss e “Stay With Me” dos The Faces – onde Grohl segura ostensivamente uma garrafa de champagne – eles, em seguida, tentam tocar “War Pigs” do Black Sabbath, até que Grohl admite não se lembrar da letra. (Errata na matéria da revista: eles tentaram tocar “War Pigs” durante a apresentação dos integrantes e antes de “Cold Day In The Sun”, e não no b-stage). As coisas ficam ainda mais engraçadas quando o baterista Taylor Hawkins, resplandecendo em suas meias fluorescentes, shorts e regata preto, troca de lugar com Grohl para um cover de “Tie Your Mother Down” do Queen. O público, claramente não familiarizados com essas joias de jukebox, é educadamente apreciativo até que Grohl volta aos trilhos para uma performance arrebatadora de “Under Pressure”, do Queen com David Bowie.

É o sinal para um ataque final de cinco músicas projetado para dar a São Paulo aquilo que São Paulo quer. Começando com uma pancada em “All My Life”, o set segue com “These Days” e “Outside” para uma feroz “Best Of You”. Em uma demonstração (quase) espontânea de apreciação, a multidão levanta seus celulares como um só, criando uma luz azul sobrenatural que brilha ao redor da arena (nosso flashmob!). É a versão rock de estádio do brilho pós-coito, e Grohl, dá pra ver de longe, também sentiu a terra se mover. “Isso é tão fuckin’ lindo!”, diz ele antes de, depois de quase três horas, uma frenética “Everlong” atuar como um escaldante e sonoro beijo de adeus.

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 Flashmob das luzes em “Best Of You”, Estádio do Morumbi / Foto por T4F

De volta ao hotel, às 3 da manhã, Grohl está irreconhecível, longe de ser a figura de olhos arregalados de horas antes. Pensativo, mas drenado, ele está ansioso para meditar sobre os acontecimentos de uma noite extraordinária. “A parada da chuva, a proposta de casamento, a multidão acendendo seus telefones (!!!), aquilo foi maravilhoso, assim como todas as merdas que fizemos”, diz ele. “Esses são os momentos em que o público vê que somos uma banda real.”. Amanhã à noite, 45 mil moradores do Rio de Janeiro cairão aos seus pés. Mas, para Grohl, o sucesso cheio de grana do Foo Fighters não seria nada sem noites como estas. “Até hoje, eu juro por Deus, eu não sei o quanto cada um recebe de grana”, diz ele. “Eu não quero saber. Tudo o que importa para mim é o show. Cada um é diferente e isso é mágico.”

Tão Foo. Tão bom.

Foo Fighters no Estádio do Morumbi, São Paulo, 23 de janeiro de 2015
Fotos por T4F

Setlist:

1) “Something From Nothing”
2) “The Pretender”
3) “Learn to Fly”
4) “Breakout”
5) “Arlandria”
6) “My Hero”
7) “Congregation”
8) “Walk”
10) “Cold Day in the Sun”
11) “I’ll Stick Around”
12) “Monkey Wrench”
13) “Skin and Bones”
14) “Wheels”
15) “Times Like These”
16) “Detroit Rock City” (Kiss)
17) “Stay With Me” (The Faces)
18) “Tie Your Mother Down” (Queen)
19) “Under Pressure” (Queen e David Bowie)
20) “All My Life”
21) “These Days”
22) “Outside”
23) “Best of You”
24) “Everlong”

Matéria traduzida da Q Magazine, edição de Abril 2015 (disponível para download em http://ffbr.co/1j)
Tradução e adaptação: Stephanie Hahne