Matéria por Adam Pitluk
Vinte anos depois de Dave Grohl montar o Foo Fighters, eles pegam a estrada para encontrar seu lar.
Ouçam crianças, porque isso aqui é uma lição de história sobre a música que seus pais cresceram ouvindo.
Há muito, muito tempo, quando o papai teve que começar a se barbear regularmente e a mamãe começou a perceber o papai dando em cima ela, uma revolução musical estava em andamento. Seus pais, que ainda estavam na fase de se conhecer, foram dançando ao som de bandas de hair-metal, como Poison, Ratt e Cinderella nas estações de rádio FM convencionais. Eles estavam assistindo vídeo clipes de suas músicas favoritas na MTV bem antes do canal se tornar essa máquina de reality shows que você conhece e ama.
Então, um dia em setembro de 1991, seus pais estavam sintonizados na MTV quando um vídeo de um grupo de Seattle chamou a atenção. Representava uma reunião de adolescentes em um ginásio da escola, com uma banda de três pessoas que tocavam uma música nada do estilo “reuniões de escola”. Os alunos foram subjugados; alguns bateram os pés, mas a maioria caiu pra dentro. As líderes de torcida pareciam robôs. O zelador dançava lentamente com o esfregão. Em seguida, o baterista, esse garoto magro e novinho, com um monte de cabelo castanho despenteado, bateu nos bumbos como o Animal de The Muppets. O ginásio se transformou em um hospício, e os estudantes se revoltaram. Algumas semanas depois de ver este vídeo do Nirvana, bandas de hair-metal sairam mancando para os seus leitos de morte, e o gênero GRUNGE nasceu.
Um enxame de bandas com iras semelhantemente sujas emergiu de Seattle, e o hino nacional do Nirvana, “Smells Like Teen Spirit”, tornou-se o grito de guerra de uma geração. O vocalista Kurt Cobain se tornou um mestre Jedi ao longo dos próximos dois anos, e aquele Skywalker magro na bateria, Dave Grohl, tornou-se tão conhecido por sua voz harmoniosa como pelas suas batidas na percussão. O Nirvana vendeu mais de 100 milhões de álbuns em todo o mundo, incluindo a gravação seminal do MTV Unplugged, que tirou todo o reverb e as distorções e mostrou que esta banda de Seattle tinha um grande talento. Isso também forneceu um dos refrões mais inesquecíveis da história do rock ‘n roll. Quando os violões, baixo e bateria pararam e Cobain e Grohl cantaram harmonicamente as letras repetitivas, “All in all is all we are/Apesar de tudo, é tudo o que somos”, um olhar de total serenidade – de calma absoluta – caiu sobre ambos os seus rostos.
A multidão teve uma reação atrasada, muito provavelmente porque estavam tão encantados com o que acabaram de ouvir, uma vez que estavam em êxtase pelos músicos que a cantaram. A canção também foi uma premonição. Kurt tiraria sua vida quatro meses e meio depois, e desse jeito, o Nirvana foi embora.
É por isso que mais de 20 anos após a gravação do MTV Unplugged do Nirvana, em Nova York, gravado apenas alguns quarteirões de distância de onde estamos sentados, pergunto a Dave Grohl sobre esse show e sobre essa canção.
“Oh, sim,” ele começa, olhando para o teto, procurando em sua cabeça detalhes de uma memória desaparecida há muito tempo. Em seguida, ele se endireita e acena. Um sorriso franze os lábios. “Esse show era para ser um desastre. Nós não tínhamos ensaiado. Nós não estávamos acostumados a tocar acústico. Fizemos alguns ensaios e eles eram terríveis. Todo mundo achava que era horrível. Mesmo as pessoas da MTV pensavam que era horrível. Em seguida, nos sentamos, as câmeras começaram a filmar e aí deu certo. Tornou-se uma das performances mais memoráveis da banda”.
Ele fez outra coisa. Enquanto aquele álbum dava ao Nirvana seu único prêmio no Grammy Awards, ele preparou Grohl para uma carreira de décadas como o vocalista de sua própria banda. Os Foo Fighters estão juntos há 20 anos. Eles já ganharam 11 Grammys. E mais, Dave Grohl pode oficialmente afirmar que ele é responsável por moldar duas gerações de ouvintes de música. É isso mesmo, crianças: A música que seus pais curtiam no passado é feita contemporaneamente pelo mesmo cara. E ele não está mostrando sinais de que vai desacelerar. Muito pelo contrário, na verdade. O jovem Skywalker tornou-se um Jedi, como Cobain antes dele.
Ele se senta como o Yoda, pernas cruzadas, braços apoiados nos joelhos. É no meio da manhã no centro de Manhattan, e dos confins acolhedores de seu quarto de hotel perto da 57th com a 7th, Dave Grohl parece relaxado em seu jeans azul, camisa preta de manga comprida e pés descalços.
Em cerca de uma hora, ele vai andar dois quarteirões com o resto do Foo Fighters ao Ed Sullivan Theater para um ensaio com Ann e Nancy Wilson, da banda Heart. Eles tocarão a música “Kick It Out” do Heart no Late Show with David Letterman após o ensaio. Vai soar estrondosa como o clássico do Black Sabbath, “War Pigs”, tocada com Zac Brown. O público amanhã e na noite seguinte será semelhantemente hipnotizado quando o Foo Fighters tocar com Tony Joe White e Rick Nielsen.
Mas ainda não.
Grohl bebe seu café enquanto me delicia com memórias da estrada do rock ‘n roll. É um propósito completamente cênico de uma conversa que se encaixa bem com o tema de seu projeto atual. Sonic Highways é o oitavo álbum de estúdio da banda que tem sido uma família há 20 anos. Para este projeto, Grohl, o guitarrista Chris Shiflett, o baixista Nate Mendel, o baterista Taylor Hawkins e o ex-quarto homem do Nirvana e de longa data do Foo Fighters, guitarrista Pat Smear, trouxeram uma equipe de filmagem da HBO para documentar o processo de gravação do álbum em oito cidades icônicas da música. É um projeto que os fãs fiéis do Foo Fighters aguardaram ansiosamente. Especialmente eu, que tive uma ideia do projeto três meses antes, quando esbarrei com Grohl no Havaí.
“Isso tudo começou com uma ideia” – diz Grohl no primeiro episódio de Sonic Highways – “que o ambiente em que você faz um disco influencia no resultado final”. Sua afirmação é que a história local e as pessoas de cada cidade trilharam seu caminho na música. Literalmente, o nascido em Ohio, criado em Virginia, associado de Seattle e residente de Los Angeles, é a encarnação viva de uma carreira que percorreu o mundo, sem falar no país. E sua música é uma reflexão em tempo real.
“Eu estava explorando todas estas cidades diferentes e aprendendo a história dela e as histórias de todas essas pessoas diferentes, mas, ao mesmo tempo, eu estava passando pela mesma coisa”, diz ele. “Eu era uma parte da experiência.”
Ele fazia parte de outra coisa. Grohl, que tem estado no centro das atenções por quase 25 anos e que foi entrevistado um zilhão vezes, tornou-se o jornalista, entrevistando seus heróis como Buddy Guy e o icônico Ben Jaffe do Preservation Hall Jazz Band, em Nova Orleans. Talvez seja porque Grohl foi entrevistado pelos melhores escritores de rock do mundo – caras como David Fricke e Paul Brannigan – que recebeu osmoticamente um mestrado em jornalismo. E talvez seja por isso que as entrevistas que ele conduz em Sonic Highways são tão convincentes.
“Enquanto eu estou fazendo essas perguntas, parte de mim está tentando me dizer estas belas histórias que eu estou vagamente familiarizado, e parte de mim está apenas fazendo perguntas, porque eu estou inspirado. Assim como essas pessoas são inspiradas a fazer as suas coisas, eu estava inspirado para fazer a minha por eles.”
Isso tem sido muito típico do líder da banda, tanto quanto o seu papel ao longo dos anos. Sonic Highways é de fato um compromisso pesado, mas os outros meninos da banda esperam ideias originais de Grohl. O álbum anterior, Wasting Light de 2011, foi gravado na sua garagem em LA utilizando apenas equipamentos analógicos. “Eu queria levar a banda para fora da nossa zona de conforto, colocar os instrumentos em um ambiente desconhecido – para eles, talvez, porque eu amo garagens e eu tenho tocado nelas a minha vida toda. Quando você descobre mais sobre a história da música, é aí que ela realmente fica em você.”
Mas tem de haver uma quantidade monumental de confiança no frontman para o resto da banda ir na onda dele com esses movimentos musicais de risco. É fácil para os fãs e críticos analisar o produto final e escrever nos blogs e fóruns de mensagens se funcionou ou não. Internamente, no entanto, uma linha fina tem que ser não apenas reconhecida, mas apreciada entre os músicos, para que os seus argumentos estejam corretos nestes mesmos blogs e fóruns.
Vinte anos atrás, quando formados pela primeira vez, eles estavam apenas tentando entrar e sair do palco sem o show ser uma completa catástrofe. Em seguida, eles começaram a ficar confortáveis. “Temos um ditado na banda,” diz ele. “‘Se melhorou, vai piorar.’ Por isso, tentamos não pensar demais nas coisas”.
Ao longo do tempo, tanto quanto com uma família, muita camaradagem pode fazer uma de duas coisas: 1) gerar desprezo ou 2) confiança demais. Felizmente para as legiões – e para a paz de espírito da banda – aconteceu a segunda opção. Grohl diz que é evidente em suas vidas cotidianas. Quando saem de um avião, por exemplo, e há uma carreata de vans prontas para levá-los para o hotel, todos eles se juntam em uma só. Durante a maratona de ensaios no Letterman e gravações, havia três pequenos quartos – cada um apenas grande o suficiente para caber quatro adultos – para eles se acomodarem. Todos os cinco se juntaram em um só. “Nós nos apegamos uns aos outros”, diz ele. “Nós sempre o fizemos. É como se eu tivesse quatro maridos”.
Em um dia de verão preguiçoso em um resort na Ilha Grande do Havaí, parece que uma piñata de crianças se abriu sobre a piscina. Minhas duas filhas, com idades entre 5 e 8, jogavam água, riam e brincavam. Elas fizeram amizade com outras duas meninas da mesma faixa etária. As irmãs, Violet e Harper, tornaram-se melhores amigas de verão das minhas filhas, Maddy e Lilly. Eu estava na piscina brincando com todas elas, e depois de algum tempo, o pai de Violet e Harper se uniu a nós.
Nós pais temos um vínculo imediato quando nossos filhos estão se divertindo. Este pai, no entanto, foi diferente. Ele parecia familiar, especialmente o cabelo castanho na altura dos ombros e a barba. Eu também reconheci suas tatuagens de tantos shows ao longo de tantos anos. Nós conversamos sobre crianças, onde vivemos e onde estávamos – conversa típica de pai. Então eu me apresentei.
“Eu sou o Adam, a propósito,” eu disse ao estender a minha mão.
“Ei, cara. Eu sou o Dave”.
Depois de conversas à beira da piscina por uns dois dias, Dave Grohl, a estrela do rock, muito rapidamente se revelou como Dave Grohl, o homem de família. Ele também demonstrou sua humildade e sua memória fotográfica. Como ele me contou seu projeto dos próximos meses, Sonic Highways, meses antes de ser revelado, eu interroguei-o como um fã raivoso. “Nós fizemos todos os tipos de música experimental com isso. Voltei na bateria – eu tocava bateria em uma banda antes do Foo Fighters”.
Eu comecei a rir com isso. “Irmão, o melhor show que eu já vi na minha vida foi o do Nirvana em Akron, Ohio, na noite de Halloween, em 1993.”
“Tá brincando!”, respondeu ele, agora animado. “Você estava naquele show? Quando Kurt estava vestido como o dinossauro Barney e eu estava envolto em gaze como uma múmia? A gaze era tão apertada que os roadies tiveram que tentar cortá-la de mim enquanto eu ainda estava tocando!”.
Esse show foi há mais de 20 anos.
“Como é que você se lembra de um show na Universidade de Akron que rolou há tanto tempo?”, perguntei.
“Lembro-me de todos os meus shows”.
De volta à Nova York, estamos encerrando a nossa entrevista. Dave Grohl tem o Letterman a fazer, e ele precisa dar um pulo no chuveiro. Antes de nos separarmos, eu quero saber – em um nível humano – qual o truque para não só ser relevante depois de todos esses anos, mas também, como é que a banda tem sido capaz de tocar bem depois de tanto tempo.
“Nós nunca nos subestimamos”, diz ele, fazendo uma pausa por um momento para refletir sobre as palavras. “Eu honestamente não sei como é uma vida sem o Foo Fighters. Eu não posso imaginar. Então, quando subimos no palco, é uma coisa boa. E enquanto estamos no palco, estamos nos divertindo. Sempre”.
Estamos nos divertindo. Sempre.
Isto conclui a lição do dia, ensinada a você por um Jedi. A moral não é como fazer uma banda funcionar, mas como fazer com que seus relacionamentos funcionem com seus pais, seu cônjuge, seu parceiro. O truque é não só subir ao palco noite após noite, ano após ano. O truque consiste em apreciar o que você está fazendo e apreciar com quem você está fazendo. Se juntar na mesma van. Se espremer na mesma sala. Nunca subestime o que você tem.
É assim que se faz, crianças.
Fonte: American Way
Tradução e adaptação: Stephanie Hahne