Perguntas e respostas da GQ: Dave Grohl fala sobre Barry Manilow, Metallica e reunião com Nirvana

Nunca interrompa o cara mais legal do rock no meio da conversa. Dave Grohl, a base de ambos Nirvana e Foo Fighters, que nasceu em Ohio, tem uma história com a GQ. Em 2008, Grohl voou para Londres por 24 horas para apresentar o prêmio de “Realização marcante” ao Led Zeppelin na nossa cerimônia “Homens do ano”. No meio de sua homenagem cheia de emoção (citação de exemplo: “Eles eram a minha fuga, meus professores, meus sonhos e eles eram a minha igreja”), o  riff de “Whole Lotta Love” começou a tocar um pouco cedo de mais. “Espera aí, eu não acabei ainda, filhos da p***!”, chorou Grohl. “Isso é algo muito importante para mim! Eu não sei quantas tatuagens do Led Zeppelin você tem, mas se forem mais do que as minhas, nós teremos que conversar”. Ao se lembrar daquela noite quatro anos atrás numa ligação telefônica, Grohl claramente nos perdoa por errar a deixa. “Ai, meu Deus, aquela noite foi incrível”, ele diz do outro lado da linha, em Los Angeles. “Não é sempre que você é convidado para apresentar um prêmio ao Led Zeppelin. O engraçado é que, naquela noite, eu encurralei John Paul Jones e implorei para ele participar de um projeto paralelo comigo (Them Crooked Vultures)”. No entanto, desta vez, nós não estamos falando da memorável carreira musical de Grohl. Ao invés disso, estamos discutindo o seu primeiro trabalho como diretor, Sound City, um documentário com foco em um estúdio esfarrapado de Los Angeles em que todos, de Fleetwood Mac a Nine Inch Nails gravaram. Para marcar o lançamento, nós conversamos com Grohl sobre Rick Rubin, os piores clichês do rock em documentários e a reunião de seus companheiros do Nirvana com um Beatle nos vocais…

 

GQ: Sound City tem um grande elenco – incluindo Frank Black, Josh Homme e Trent Reznor. Mas como você convenceu Barry Manilow a participar?

Dave Grohl: Barry Manilow é o filho da p*** mais legal do mundo. Anos atrás, esse amigo da família chamado Dave Koz, que é um saxofonista de jazz, iria ganhar uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, então ele nos convidou para a cerimônia no prédio da Capitol Records. Ele era bem famoso – ganhou Grammys, tinha um programa de rádio e vendeu milhões de discos. Na sala verde, antes do evento começar, era como o jazz da Mount Rushmore, incluindo Kenny G e Barry Manilow. A única vez que eu tinha visto Barry antes foi numa festa de Clive Davis, em que ele se apresentou com um medley de seus hits que durou meia hora e deixou todo mundo – de Puff Daddy a Pearl Jam – emocionado. Então, naquele dia que nós fomos ver Dave ganhar sua estrela, eu ouvi a assistente de Barry sussurrar: “Esse é Dave Grohl do Foo Fighters”. Barry disse, “Dave Grohl, eu amo o Foo Fighters!”. Ele me ganhou! Barry tinha gravado no Sound City – uma das coisas mais legais sobre o filme e os membros do elenco é a diversidade: há muito rock lá, mas todo mundo (mesmo sem ser do rock) gravou lá alguma vez; de Barry Manilow a Trent Reznor. A mesa de som (original) deveria estar no Hall da Fama do rock’n’rool. Ela tem tanta mágica dentro dela de todos esses artistas diferentes…

 

Lars Ulrich também aparece no Sound City. Você acha que, para ele, é um tanto quanto difícil devido ao documentário Some Kind of Monster?

Primeiro de tudo, eu amo Lars Ulrich. Ele sempre foi uma grande influência. Eu comprei meu primeiro CD do Metallica no mês em que ele saiu, eu sou um grande fã e você só tirará os CDs deles de mim por cima do meu cadáver. Lars tem, sem sombra de dúvida, uma personalidade muito forte. Eu acho que ele é o motor que impulsiona a banda – ele pode não ser a (única) mente criativa (embora ele seja 50% disso), mas ele é tão apaixonado pelo que faz como qualquer outro grande músico. Além disso, você não conhece tantas pessoas que, simplesmente, não dão a mínima. Lars não liga para o que você pensa! Eu respeito muito isso. Eu lutei com aquele cara bêbado no chão de um quarto de hotel, eu chorei com aquele cara – ele sabe que é o meu herói. Mas ele não vai mudar. Some Kind Of Monster é um pesadelo para qualquer músico assistir, porque você está assistindo os integrantes de uma banda serem honestos uns com os outros. Não é uma boa ideia, cara! Você sabe por que o Foo Fighters tem sido uma banda por 20 anos? Porque eu nunca disse a ninguém o que eu penso deles. A última coisa que você quer fazer é ir para a terapia com a sua banda. Eu sinto que isso é o que aconteceu com os Kinks – é quando as pessoas começam a se bater. Nós mantemos a paz sem ter um terapeuta em um suéter que cobra US $ 2000 por semana.

 

Quem foi a pessoa mais difícil de se rastrear para aparecer no Sound City?

Neil Young. Ele foi a primeira pessoa a concordar em fazê-lo e a última a realmente ser entrevistada – um ano de intervalo. Eu eventualmente tive de voar para o Hawaii. Alguém disse “desculpa, ele realmente quer fazê-lo, mas ele tem cinco dias de folga e você terá que ir”. Eu voei com todo mundo e os equipamentos, conversei com ele por uma hora e meia e, no resto do tempo, eu só tomei cerveja no oceano. Muito legal – não há nada melhor do que segurar uma garrafa de cerveja nas suas mãos e estar nas ondas.

 

Dá para ter uma “conversa curta” com Rick Rubin?

Rick tem o ar de ser um “gênio das produções guru”, mas, na realidade, ele é somente um fã de música. Ele é um tipo de produtor bem incomum. Ele não toca nenhum instrumento. Ele não tem conhecimento muito fundo em música clássica. É que ele tem um ouvido muito bom – o que é ótimo!

Às vezes, isso é muito mais útil do que alguém formado na Julliard e que toca com todos os instrumentos na sala. Se você está tentando conectar as pessoas com música – é um processo mais exterior, e um monte de músicos podem ser mais introvertidos. A coisa boa sobre Rick é que ele tem, por falta de um termo melhor, um ouvido muito populista. Isso é algo difícil de encontrar em produtores. É por isso que ele é tão bem sucedido – honestamente. Ele tem uma maneira muito estranha de fazer álbuns que um monte de pessoas não necessariamente concorda, mas não há como negar que ele tem feito inúmeros discos de sucesso. Eu tenho muito respeito por Rick Rubin, eu realmente tenho. Eu gostaria de poder ouvir minhas músicas como ele as ouve. O que ele vai fazer é dar a uma banda tarefas de escrita. Ele vai dizer: “OK, eu quero que você escreva uma música para The Supremes”. Então você sair de si mesmo, escrever a música e, em seguida, ele vai dizer “OK, então você escreveu essa música, mas você saiu de si mesmo para escrever. Então você se afastou do lugar que te impede de escrever canções”. Não são muitas pessoas que fazem isso…

 

Além de você – você já falou anteriormente sobre pessoas que se “transformam em personagens” para escrever, como Norah Jones…

O que acontece, muitas vezes, é “eu vou escrever uma música, ouvi-la e não a lançarei porque eu sinto que ela soa como se fosse de outra pessoa – é exatamente o que Rick tenta te impedir de fazer. Há músicas no álbum do Sound City que eu escrevi, mas nunca usei porque eu não sentia que elas se encaixavam na estética do catálogo do Foo Fighters. A música que Stevie Nicks canta – “You Can’t Fix This” – eu escrevi oito anos atrás e não usei porque eu achei que parecia uma música de Fleetwood Mac! Soa melhor (com ela) do que se eu tivesse gravado – eu acho que ela é brilhante.

 

Você está muito empolgado para a reforma do Fleetwood Mac?

A história do Fleetwood Mac é uma grande parte da história do Sound City. Eles foram a primeira banda a fazer um álbum nesse console de mixagem. Eles foram a primeira banda a atrair atenção de verdade para o Sound City. A dinâmica nessa banda é muito mais complicado do que em outras – não é apenas um monte de caras que foram para a escola juntos e que começaram na garagem. É uma história bem complicada e, quando eles se reúnem para tocar, as estrelas têm de se alinhar para fazer isso acontecer. Eles não vão para um barzinho praticar e tomar uma cerveja. É muito mais complicado do que isso – apenas por causa do pano de fundo, tudo que eles fazem é um pouco mais profundo, mais rico, mais emocionante e mais bonito. A qualidade emocional do conteúdo do Fleetwood Mac é muito mais profundo do que 99% das bandas que você ouve todo dia. É pesado, é uma novela, é insano.

 

O que trabalhar no doc Back And Forth do Foo Fighters te ensinou sobre fazer documentários?

A esquecer de que há uma câmera na sua cara 24 horas por dia! Foi um diretor brilhante, ganhador de prêmios chamado James Moll. Apenas estar perto dele e assistir o processo – a maneira que ele construía e editava o filme foi inspiradora e influenciadora. Antes de nós começarmos a filmar, eu disse a ele “eu acho que é sobre isso que o filme fala”. Ele basicamente disse “não é um documentário? Eles tendem a se escreverem sozinhos…”.

 

Como músico, o que mais te irrita nos documentários de música?

Eu não quero dizer que a maioria das bandas de rock vivem essas existências de fórmulas biográficas – mas elas meio que o fazem. Sempre há um divórcio. Sempre tem uma overdose. Sempre tem um empresário ruim. Essa história já foi contada milhares de vezes. Quando eu conheço músicos novos e eles se ferram porque leram muitas biografias do rock’n’roll, isso me deixa triste. Há outros modos de fazer isso – você não precisa se entupir de heroína para escrever uma boa canção.  Eu sempre ouço as mesmas histórias. “Seus idiotas. Vocês não têm de seguir essa rotina ridícula de novo e de novo…”. Estou cansado disso! Mas há documentários musicais que eu considero tão importantes quanto qualquer livro que já foi empurrado para mim no colegial. O primeiro filme The Decline Of Western Civilisation (um documentário sobre punk rock em Los Angeles no começo dos anos 80) é malvado. É tão real e bom. Outro exemplo é Dig!, sobre Dandy Warhols – Ninguém capturou o desastre de estar em uma banda de rock como aquele filme. É fenomenal – ele também poderia ter OVNIs e um Pé grande, porque é o único cenário ao que você vai relacionar aquele tipo de colapso.

 

Quais diretores usaram as músicas que você escreveu particularmente bem?

Deus, eu não sei! Eu não presto muita atenção nisso. Bem, eu vou contar essa coisa engraçada… Pediram para a gente escrever uma canção para o filme Godzilla, que foi lançado em 1998. Além do Waterworld, esse pode ter sido o maior fracasso na história da música. Eles nos deram uma quantidade astronômica de dinheiro para escrever e gravar uma música para colocar no filme e nós a fizemos. Nós gravamos uma música no Sound City (“A320”), nós estávamos orgulhosos dela, nós a mandamos e eles nos deram um cheque. Nós estávamos em turnê quando o filme saiu. Fomos ao cinema, sofremos durantes duas horas e meia para sentar na frente de Godzilla. Quando os créditos rolaram, acho que eles nos deram cerca de sete segundos. Eu acho que comprei um carro novo com o dinheiro…

 

Como foi tocar “Cut Me Some Slack” com Paul McCartney e os seus colegas de banda do Nirvana?

Eu adoro tocar com Paul porque ele é o melhor tipo de músico para se fazer uma jam. É lógico que ele é brilhante, mas ele é confiante, ele gosta de experimentar e ele não precisa que as coisas estejam certinhas de mais – ele gosta quando ele sente que está bom. Muitos caras que começaram essa coisa toda são assim também – muito da minha geração é centrada em tocar perfeitamente no tempo, perfeitamente no tom e isso não é muito empolgante no sentido rock’n’roll da coisa. Tocar com ele é ótimo porque você pode ficar doidão. Eu pedi para ele gravar uma música do Sound City e, quando ele disse sim, eu imediatamente liguei para Krist Novoselic e Pat Smear do Nirvana e disse “Galera! Nós temos que gravar uma música com Paul! Dá para imaginar?”. Nós três gravando comigo na bateria, Krist no baixo e Pat na guitarra. Eu pensei que seria uma ótima maneira de fazer algo maneiro. Paul apareceu e Krist e Pat não o conheciam, então era óbvio que eles estavam morrendo de medo.

Nós começamos a fazer jam e, dentro de uma hora, virou uma música. Dentro de duas, nós tínhamos um arranjo. Dentro de três, nós tínhamos uma faixa com os vocais. Foi uma tarde rápida no estúdio – bem informal, sem assistentes, empresários, helicópteros, fogos de artifícios. Ao fazer aquilo, Krist, Pat e eu percebermos que algo assim não acontecia há 20 anos. Estávamos no meio do dia e eu olhei para Krist que estava pulando por aí como ele normalmente faz e olhei para Pat, que estava sorrindo e batendo na sua guitarra – uau, parecia o Nirvana. Foi um momento de uma vida inteira para mim. Eu acho que talvez as pessoas vejam bandas e músicos como uma espécie de super heróis do esporte irrealista que acontece em outra dimensão, onde não são as pessoas e as emoções reais. Bem, eu cresci ouvindo discos dos Beatles no meu andar. É assim que eu aprendi a tocar guitarra. Se não fosse por eles, eu não seria músico. Estar no mesmo quarto fazendo uma nova música com ele, com meus amigos, com o Nirvana, registrando-a na mesa que é responsável por Nevermind, é sem dúvida uma das experiências mais incríveis da minha vida inteira. Foi muito além de um download, de um CD ou um vídeo. Foi muito grande para mim e, felizmente, foi documentado.

 

Qual é o presente mais estranho que você já ganhou de um fã?

Uma vez, eu recebi uma capa feita com pequenos sacos roxos de Crown Royal Whisky. Eu sei! Eu costumava usá-la, mas não mais.

 

Para o nosso vigésimo aniversário, a sua mensagem para GQ foi apenas “Eu odeio moda”. Qual é a coisa mais cara que você está usando agora?

Eu tenho que ser honesto – Eu estou usando no momento um par de roupas íntimas verdes da Calvin Klein. Eu acabei de sair do banho! Eu acho que eles valem onze dólares. Olhe – eu não sou alérgico a moda. Eu sou apenas uma daquelas pessoas que, quando colocam um terno, parecem que vão a um funeral ou à corte. Uma vez em um milhão eu faço minha esposa feliz e uso algo que ela viu em alguma revista. Anos atrás, eu ganhei o prêmio de Homem do Ano da GQ americana – em 2003, eu acho. Eu estava muito honrado, era algo muito importante, mas nós tínhamos que ir a New York para a cerimônia e minha esposa me perguntou “o que você vai vestir?”, eu disse: “jeans e uma blusa” e ela: “você não pode usar isso. É uma revista de moda, olhe”; eu disse: “E daí? Eu sou um rock star! Não usarei um terno elegante e caro”. Ela vai: “Todo mundo vai estar usando terno”. Aquele ano, Justin Timberlake também iria ganhar um prêmio. Eu disse: “Eu aposto que Justin Timberlake não vai estar usando terno!”. Ela apostou comigo que sim e, quem perdesse a aposta, tinha que diz para ele “Oi Justin, eu sou seu maior fã!”. Nós chegamos lá e ele estava usando a por*** de um terno, cara! Ele veio dizer oi antes que eu pudesse me envergonhar de tal maneira…

 

Sound City estreia dia 11 de março

Tradução: Elise Kanashiro
Fonte: Revista GQ