Perguntas e respostas: Dave Grohl fala sobre seu documentário “Sound City” e assumir riscos na música


“É a coisa mais importante que eu fiz, porque não é para mim”

Por Katie Van Syckle, Rolling Stone

 

Dave Grohl comparece no Café do Cinema no alojamento dos cineastas durante o Festival de filmes de Sundance em Park City, Utah no dia 22 de janeiro de 2013.

 

Depois de estrear seu filme Sound City – Real to Reel e seu supergrupo, os Sound City players, no Sundance semana passada, Dave Grohl finalmente está pronto para comemorar.

“Sundance era a nossa meta”, diz ele a Rolling Stone. “Se nós conseguíssemos cumprir o prazo, apresentar o material e sermos aceitos, lá é onde nós estrearíamos o filme. (Ano passado) nós surtamos numa casa nas montanhas e pensamos, ‘se nós voltarmos, daremos uma festa aqui’. Isso foi há exatamente um ano, e realmente aconteceu”.

Os Sound City players estão agendados para fazer seu próximo show no dia 31 de janeiro, em Los Angeles, com outras datas “em breve, e em lugares legais”, diz Grohl. “Os músicos realmente pularam de cabeça no projeto depois do show (em Park City). Eu não sabia se Stevie (Nicks) tocaria em Nova York, mas, depois disso, ela estava tipo ‘EU tocarei em Nova York’”. Grohl diz que continua cruzando os dedos na esperança de uma aparição de Paul McCartney.

A Rolling Stone sentou com Grohl num condomínio nas montanhas, com vista para o Park City e conversou com o baterista e diretor de primeira viagem sobre o equipamento de som de mesa da Neve, como é dividir o palco com Lee Ving e por que o filme é a coisa mais importante que ele já fez.

Eu tenho essa teoria de que o Sound City é uma espécie de autobiografia sua.

Sério?

 

Bem, se enquadra na história de ‘três caras de Seattle subindo numa van’.

A melhor coisa sobre a história do Sound City é que não é apenas uma história. Eu tenho certeza que cada um daqueles músicos contaria a história exatamente do mesmo jeito. O amor deles pelo estúdio, o quão importante ele (o estúdio) foi para eles como pessoas, como aquele lugar mudou a vida deles, como a tecnologia transformou o jeito de fazer música, o que a tecnologia fez com o Sound City e a importância do elemento humano no processo de criação da música. Eu aposto que Neil Young, Tom Petty, Stevie Nicks e Rick Springfield poderiam fazer o mesmo filme que eu fiz. Porque, mesmo na introdução quando eu digo, “Nós éramos apenas crianças, tínhamos essas músicas, e tínhamos esses sonhos que jogamos no fundo da van”, cada uma dessas pessoas pode dizer o mesmo.

Eu sempre tive uma grande ligação com o estúdio porque o Nirvana não era para ser a maior banda do mundo. Apenas não era. E, quando nós ficamos lá por 16 dias, nós não estávamos fazendo um álbum com a intenção de mudar a porra do mundo. Nós só queríamos que ele soasse legal… O fato de que o que aconteceu realmente aconteceu, me faz pensar que há algo a mais do que apenas fios e botões nesse lugar. Pessoalmente, eu tenho uma forte conexão emocional com ele.

Musicalmente falando, há algo mágico sobre o estúdio; e, quando eu ouvi que eles estavam fechando, eu pensei “eu tenho um estúdio, eu faço discos todos os dias. Se eu me reunisse com esse pedaço de equipamento que eu considero o melhor equipamento de som de mesa com que eu já trabalhei, que é responsável pela pessoa que eu sou, seria uma grande reunião emocional para mim”. E é por isso que eu fiz o filme.

 

Você meio que isolou a Neve, a mesa de som, como mágica.  Há outros elementos que você também considera significantes?

O cômodo em que todo mundo gravava costumava ser um armazém. É onde fizeram os amplificadores Vox. Ele nunca teve um design acústico, era apenas um quarto. Mas por alguma razão, se você colocasse uma bateria nesse lugar, soaria incrível. Não sou um engenheiro acústico, e eu nunca conseguiria fazer o design de um estúdio matematicamente, porque o que essas pessoas sofrem para construir esses espaços acústicos perfeitos é uma loucura. Mas Sound City apenas aconteceu. A mesa e aquele lugar, essas duas coisas juntas. É por isso que todo mundo ia lá. E não era planejado.

 

Com relação à estética do espaço, quanto ela afetou o som que saía de lá?

Toneladas. Você não tinha a impressão de estar no Mondrian. Você não tinha a impressão de estar num laboratório – você se sentia de volta à garagem em que você começou como músico e, de um modo, isso te lembrava de que a coisa mais importante é como isso soa. E a coisa mais importante são as sensações que a música provoca em você. Não tem nada a ver com brilho ou glamour – é tudo sobre ser durão e fazer algo real. E eles nunca compraram um carrinho de ferramentas profissionais porque eles pensavam ‘bem, você mesmo pode trazer um’.

 

Como você acabou lá? Como você chegou no Sound City?

Eu não me lembro. Eu acho que o Nirvana tinha assinado com a companhia de David Geffen e eles nos deram… talvez US$100.000 ou US$60.000 para fazer um álbum. E ao invés de apenas enviar um cheque para Seattle, eles decidiram que nós iríamos para Los Angeles, para dar uma olhada na gente. Nós não podíamos bancar um lugar chic no centro da cidade, então nós encontramos esse espaço que tinha uma velha mesa de som Neve. Nenhum de nós tinha ido lá antes.

 

E como você decidiu convidar todos esses artistas diferentes para gravar o filme com você?

Parte de todas as discussões com os músicos era sobre o elemento humano na composição da música. Sensação, imperfeição, emoção, conversa como um músico, conversa entre músicos, habilidades. Todas essas coisas que nós mencionamos no filme. Mas eu achei que as coisas ficariam mais claras se nós as demonstrássemos. Se você está falando sobre espontaneidade e se conecta por um momento, o segmento McCartney/Nirvana faz muito sentido. Eu nem preciso dizer isso, você apenas assiste e pensa ‘nossa, eles apenas entraram numa sala juntos e fizeram algo explosivo do nada com a energia do lugar’. Poderia levar anos para explicar como ou por que isso acontece, mas, se você olhar, aqueles sete minutos fazem perfeito sentido.

 

E lançar um álbum era o próximo passo?

Eu queria mostrar que todos esses músicos vinham do mesmo lugar. Eu queria misturar essas combinações de pessoas que talvez nunca fariam um álbum juntas. Um cara do The Germs numa jam com um Beatle. Rick Springfield numa jam com o Foo Fighters. Essas configurações eram feitas para aparecer, nós somos apenas pessoas e somos apenas músicos. Eu comecei na garagem e você começou na garagem e você talvez tenha ido por esse caminho e eu por outro, mas, lá no fundo, todos nós ainda estamos onde começamos, eu espero. Então foi divertido fazer música nova e não apenas voltar para as coisas antigas.

 

E os Sound City players foram um resultado natural disso?

É uma extensão da mesma ideia. Você fala sobre música, e depois mostra às pessoas o que isso significa. Tire do filme e coloque num palco. Eu não sou muito organizado – eu mal consigo lavar as roupas -, mas por alguma razão, eu posso imaginar essas coisas acontecendo. E, se eu consigo imaginá-las acontecendo, então eu tento fazê-las realidade. Uma hora antes, eu não sabia se nós conseguiríamos. Para mim é difícil acreditar, mas você tem essas oportunidades na vida, então por que não aproveitá-las? Certas horas eu fico tão nervoso antes de tocar que eu quase estrago o momento ou a experiência, e eu finalmente percebo que, nessas horas, você tem que deixar as besteiras irem embora e dizer, “eu não posso arruinar esse momento por estar com medo, nervoso, inseguro ou pensar que eu não conseguirei fazer isso. Será muito mais recompensante se eu apenas fizê-lo (naturalmente)”. Eu estava aterrorizado em convidar Tom Petty para o filme, mas Deus, eu seria um idiota de não fazê-lo. E, quando eu finalmente o convidei, ele disse “Bem, você não pode fazer um filme sobre Sound City sem mim, não é?”. E essa é, tipo, a resposta perfeita.

 

Qual foi o momento para surreal para você no show em Park City?

O momento em que meus heróis me elogiaram. Eu estou acostumado a louvar essas pessoas que eu amo, mas quando eles meio que me enaltecem de volta é engraçado, cara. Quando Fogerty falou ‘bem, isso não poderia ter acontecido sem o entusiasmo infantil de Dave pela música’, eu estava tipo “pare de falar sobre mim, pare de falar sobre mim!”. Estar no mesmo palco que Lee Ving do Fear – eu juro por Deus, The Decline of Western Civilization, o filme Penelope Spheeris, eu comprei a gravação quando eu tinha uns 12 anos, e isso realmente me inspirou para que eu me tornasse um músico e começasse uma banda de punk rock. Então, ao estar de pé ao lado de Lee Ving e tocar ‘Beef Bologna’, não parecia que esse seria um momento tão profundo e alteraria minha vida, mas realmente foi. 30 anos atrás eu descobri esse cara, e agora eu estou no palco tocando músicas que me inspiraram a virar músico com ele. Isso é louco pra caramba.

 

O show me surpreendeu como encarte de sua própria história musical, por causa das histórias que estavam dizendo entre os artistas.

A minha ideia original era que nós teríamos um vídeo entre cada apresentação, que é o que nós faremos em LA, Nova York e no resto do mundo. A tela descerá, você assistirá a um clipe do filme e uma parte da entrevista com o próximo artista e nós tocaremos três ou quatro das músicas deles. É basicamente o filme, mas ao vivo. Nós não conseguimos colocar essa produção toda no Club Park City, então eu fiquei contando histórias para matar o tempo entre as músicas.

 

O McCartney fará a turnê com você?

Você apenas cruza os dedos e espera que ele possa. Muitas vezes, tudo acontece no último minuto. Eu não sei se você já o conheceu, mas ele é o melhor. Ele é a pessoa mais legal, adora tocar e realmente entende quem ele é e o que ele representa para todos, mas da melhor maneira. Eu cheguei a ponto de não estar com medo de dizer “Ei, Paul, quer fazer uma jam?”, porque eu sei que ele normalmente quer. Ele realmente gosta de fazer jams.

 

Como foi estar num estúdio com ele?

Foi louco. A coisa engraçada sobre músicos daquela geração é que eles são pioneiros. A razão pela qual eles mudaram o mundo é que eles estavam fazendo algo que ninguém mais estava, e eles não tinham medo disso. Então, quando você toca com Roger Waters, John Paul Jones, Paul McCartney ou Mick Jagger, eles não têm medo de fazer algo estranho. É a nossa geração que não gosta de arriscar na música. Muitas pessoas da minha geração estão focadas em tocar as coisas corretamente ou na perfeição, e acabam se prendendo num lugar seguro. Eles não estão dispostos a, tipo, realmente radicalizar. E Paul definitivamente está. O dia foi bem engraçado, porque, na verdade, Krist (Novoselic) e Pat (Smear) não tinham conhecido Paul antes e estavam nervosos pra caramba – eles estavam aterrorizados. Os Beatles significaram a mesma coisa para todos nós. Quero dizer, sem os Beatles, nós não seríamos quem somos. Então, quando nós começamos a tocar pelas duas primeiras horas, talvez, nós estávamos tão admirados com ele, que esquecemos do Nirvana. Levaram algumas horas para eu perceber ‘espera aí… Nós não fazemos isso em uns 20 anos. Krist, Pat e eu – nossa, que legal. E o Paul está aqui também, porra’.

 

Por que as pessoas não assumem mais riscos como costumavam?

Essa é uma longa conversa. Parte da intenção do Sound City é mostrar que música é algo muito humano e não existe certo ou errado. Quando você assiste as performances deles, você vê essas lendas em um lugar bem vulnerável. Você vê Paul McCartney pedindo conselhos para Butch Vig. Você vê Stevie Nicks dizendo “não, não, parem, eu estraguei tudo”. Essas coisas que você talvez não imagine porque você está acostumado com o ícone e com o álbum soando tão perfeito e primitivo. Produção moderna faz a música parecer como se não fosse humana. E eu acho que isso não é uma coisa para se desejar. Tipo, você deseja o oposto disso. Como eu posso soar mais real? Como eu posso soar um pouco mais estragado? Como eu posso tirar mais emoção da minha voz? Como eu consigo que a minha voz “exploda”? Como a velocidade aumenta para trazer tensão à música? Melhor ainda, como eu toco perfeitamente na batida e canto perfeitamente no tom? Cada músico devia focar na capacidade e ser tão bom quanto podem, mas não ter a perfeição como meta. Se você ouve uma música como “Helter Skelter” e a entrega para o cara que produz os CDs da Ke$ha, e diz “ei, o que você acha disso?”, que porra você acha que o cara dirá? “Hum, está fora do tom, fora do tempo e a letra não me surpreende”. Eu acho que a razão pela qual a música é tão incrível é por causa de como ela te faz sentir. Tem uma vibração, e tem uma vibração porque vem de pessoas, porra.

 

Então você não é fã da Ke$ha?

Eu amo a Ke$ha. Eu acho que ela é encantadora. Eu só acho que o produtor dela não gostaria do White Album. Talvez ela iria, eu não sei.

 

Algumas pessoas disseram que Sound City é parcialmente uma conversa sobre análogo vs. digital, mas eu não a achei tão aparente.

Muitas pessoas estão confusas com o debate, e eu não sei se é necessariamente um debate. Você está falando sobre a vantagem do análogo e a vantagem do digital, e as desvantagens dos dois. É uma faca de dois gumes, porque você tem tecnologia, e está disponível para todos. É inspirador que qualquer pessoa, de qualquer tipo, qualquer músico, pode fazer um álbum inteiro na sua sala de estar e distribuí-lo pelo mundo apenas num clique de botão. Isso é incrível pra caralho, dá para imaginar? Mas a desvantagem é que esses lugares que eram museus, igrejas e solo sagrado estão fechando as portas, porque eles não podem sobreviver num mundo de tal acessibilidade. Então é isso aí. Eu gravo digitalmente o tempo todo, eu faço demos em casa com Pro Tools. Algumas músicas do Greatest Hits do Foo Fighters foram gravadas num carrinho de ferramentas Pro Tools, é algo inacreditável. As opções e a capacidade que Pro Tools te oferece é fenomenal.

Para mim, a conversa não é sobre digital vs. análogo – é sobre a pessoa por trás de cada uma dessas coisas. Nós não somos robôs, nós somos seres humanos. E você pode perceber isso em cada um desses equipamentos, então a conversa de tecnologia é relevante para Sound City, porque ultimamente é o motivo pelo qual o estúdio não conseguiu sobreviver. Felizmente, nós temos alguém como Trent Reznor para inspirar o resto da conversa e dizer, ‘ei, cara, eu sou um pianista treinado classicamente que pode derrotar todo mundo em um estúdio – cada um co seu próprio instrumento -, e prefiro usar esse computador para compensar as coisas que eu não consigo fazer. Eu o uso para coisas que nunca foram feitas antes. Eu o uso como um instrumento, não como uma igreja. Eu o uso como essa ferramenta inspiradora e inspirada que tem capacidades praticamente inimagináveis’.

 

Então qual é o feliz intermediário entre digital e análogo?

Você usa essas duas coisas para se capturar. Não para se manipular, para mudar ou para fugir do artista e pessoa que você é. É um assunto delicado para qualquer baterista, porque bateristas que mudaram o mundo têm suas personalidades bem definidas, e personalidade vem de todas as suas imperfeições. Você ouve John Bonham e a sensação dele não era do metrônomo, mas era legendária. Keith Moon tocou como se ele estivesse incendiando. Ele era um baterista selvagem. Ele era desleixado, frenético pra caramba e maníaco, mas isso é The Who. Stewart Copeland, seu tempo estourava como um ônibus espacial, mas isso é The Police. Hoje em dia, eu acho que poderia ser difícil para uma criança encontrar um baterista favorito, porque muito da personalidade está sendo roubada desses músicos na busca pela perfeição. É legal ouvir bateristas como Meg White – uma das minhas favoritas de todos os tempos. Tipo, ninguém toca bateria daquele jeito. Ou o cara do Black Keys. Assista o cara que toca bateria – é loucura. O moço do Vampire Weekend. Tipo, se alguma dessas crianças fosse para a escola de música em Berklee, eles nunca seriam aceitos, porque não são considerados tecnicamente proficientes. Mas a música deles totalmente mudou o mundo.

 

Foi difícil de ensinar a si mesmo como ser um diretor?

Não. Esse filme não foi difícil de se fazer. Apocalipse agora – provavelmente. O filme Sound City foi, na verdade, sobre se reunir com os amigos e procurar lá no fundo o que a música significa para cada um de nós, contando a história de um estúdio que é bem próximo de mim, e tentar dar ao espectador algo que os inspirará e os fará se apaixonar pela música como eu me apaixonei.

 

Você disse na estreia do filme que isso parece ser a coisa mais significante que você já fez.

 

Quando você faz CDs, você está tentando fazer o melhor álbum que você pode, para representar a pessoa que você é ou a banda em que você está. O filme Sound City é diferente. É mais sobre ter crianças assistindo esse filme e se inspirarem a ir num saldão de garagem, comprar uma guitarra, começar uma banda, tocar na garagem e depois impressionar o mundo. Porque isso ainda pode acontecer. Acontece o tempo todo. Pessoalmente, é a coisa mais importante que eu já fiz porque não é para mim. A história e a ideia – que isso parece como uma autobiografia, eu entendo isso. Mas ultimamente eu estou tentando mostrar às pessoas como é ser músico e tomara que eles peguem isso e façam algo. Para que haja uma outra criança na garagem em 20 anos, e minha filha me entregará um CD e dirá “pai, você talvez goste disse” e será alguma banda nova que é a maior banda do mundo.

 

Tradução: Elise Kanashiro